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Foto do escritorNatalia Veroneze

8 direitos que as mulheres têm no Brasil, mas nem todo mundo sabe

(Entrevista à revista Revista Todateen, publicada em 8 de Março de 2021, reportagem Gabriela Sartorato)



Já houve tempos em que nossa legislação promovia uma verdadeira “infantilização” da mulher perante a sociedade, isto é, éramos consideradas incapazes de independência diante das leis, assim como uma criança. Não haviam medidas jurídicas que garantissem nosso direito de expressar opinião política pelo voto, desfazer um casamento ou defesa diante de episódios de abuso sexual, por exemplo.


Fora da delegacia a questão era ainda mais complexa, já a sociedade reforçava o papel feminino de exercer funções domésticas e ter filhos. Sendo assim, mulheres que trabalhavam eram mal vistas – mesmo quando se tratavam de viúvas -, não havia encorajamento ao controle do próprio corpo – educação sexual e métodos contraceptivos eram conceitos inexistentes.


Nesta segunda-feira (8), celebra-se uma data que está longe de ser motivo de entrega de presentes. O Dia Internacional da Mulher é de luta, e felizmente, nos encontramos em uma realidade mais positiva para as mulheres, que já podem votar, denunciar abusos e assédios, ter atendimento da chamada Delegacia da Mulher e entre outros direitos. Entretanto, como mencionado, não se trata de um dia alegre para se receber flores: somente no primeiro semestre de 2020, 1.890 mulheres foram vítimas de homicídios dolosos cometidos por homens, ou seja, feminicídios.


Em meio a tantos obstáculos que ainda impedem a igualdade de gênero, dentro e fora da legislação, a maneira que a todateen encontrou de celebrar este dia de luta foi trazer mais conhecimento sobre algumas vitórias das mulheres. Para isso, entrevistamos a Doutora Natália Veroneze (@natalia.veroneze), advogada que atua nas esferas penal, trabalhista e de família, a qual traz oito pontos previstos em nossas leis para que mais mulheres tenham conhecimento sobre seus direitos.


1. o que a legislação diz sobre o assédio sexual?

Ao contrário do que muitos imaginam, o assédio sexual é um crime que deriva exclusivamente das relações de trabalho. Está previsto no artigo 216-A do Código Penal como “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendências inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena prevista é de detenção de um a dois anos.

Esse crime pode ocorrer pelo simples constrangimento da vítima em uma única abordagem ou em práticas contínuas de intimidação e constrangimento. O autor se vale de uma posição hierárquica superior para que a vítima se sinta incapaz de reagir, já que pode sentir medo de ser demitida ou prejudicada em suas funções.

Em geral, esse crime acontece em locais isolados do ambiente de trabalho, dificultando a produção de provas, mas isso não significa que o abusador vai sair impune se estiver cometendo assédio. Para provar o assédio a vítima pode usar prints de aplicativos de comunicação, bilhetes ou mesmo testemunhas.

É muito importante que a vítima não se cale se estiver sofrendo assédio, já que muitas vezes esse agressor já teve essa conduta com outras funcionárias, e, caso não seja impedido, continuará perpetuando esse tipo de prática que gera tantos danos.

O crime pode ser praticado por homens e mulheres, todavia é muito mais comum que as vítimas sejam mulheres.

Apesar de o Código Penal estipular que o autor do assédio tenha que ser um Superior Hierárquico, já temos julgados que reconhecem a prática mesmo entre colegas que não têm relação de hierarquia entre si.

A vítima de assédio sexual tem direito à reparação civil por danos morais e também poderá rescindir seu contrato de trabalho por justa causa do empregador, o que vai garantir que ela receba os mesmos direitos trabalhistas de um funcionário que foi demitido sem justa causa. Além disso, o abusador pode ser preso.

É de responsabilidade das empresas instituírem programas de capacitação sobre esse assunto e promover a prevenção desse crime. Além de atender vítimas de assédio sexual, eu também promovo esse tipo de capacitação.


2. importunação sexual também é crime

Se o assédio se configura nas relações de trabalho, o crime de importunação sexual é aquele que acontece no ônibus, nas festas ou na rua. Foi criado em meio a polêmicas que envolviam casos que não podiam ser punidos como estupro, por serem “mais brandos” apenas pelo fato de não envolverem, necessariamente, o uso da violência, como no caso do homem que ejaculou em uma moça no transporte público.

Para algumas estudiosas do assunto, foi tido como uma forma de punir esses agressores com uma pena mais branda do que a pena de estupro, já que na importunação a pena é de até 5 anos de prisão e no estupro essa pena pode variar de 8 a 30 anos. Em síntese, os crimes são semelhantes e não podemos negar que exista violência em um ato libidinoso que é cometido contra a vontade da vítima, mesmo quando não existe a conjunção carnal.

Porém, o legislador entendeu que seria necessário criar um novo tipo penal para enquadrar os beijos forçados em uma festa, diferenciando esses atos de um estupro, onde a vítima de fato seja constrangida mediante grave ameaça ou violência a ter conjunção carnal com o agressor. Assim como no assédio, a importunação também pode ocorrer contra homens ou mulheres.


3 . o que fazer quando é no transporte público?

Como mencionado pela doutora Veroneze, em nossa legislação o assédio é um crime que acontece nas relações de trabalho, enquanto um crime que não envolve violência física é chamado de importunação sexual, que ocorre com grande frequência em transportes públicos. Por isso, as empresas responsáveis pela gestão de ônibus, trens e metrôs criaram canais especiais de denúncia.

De acordo com a Empresa Metropolitana de Transporte Urbano (EMTU), responsável principalmente pelos ônibus públicos intermunicipais do estado de São Paulo, vítimas ou testemunhas devem procurar um funcionário das concessionárias e permissionárias responsáveis pela operação dos ônibus da EMTU, visto que eles estão orientados a denunciar o criminoso pelo telefone 190 do Centro de Operações da Polícia Militar.

A empresa de ônibus municipal de São Paulo, SPTrans, informa que os motoristas dos ônibus são orientados a conduzir o transporte até a delegacia mais próxima para que a vítima faça sua denúncia.

Nas linhas 1 – azul, 2 – verde, 3 – vermelha e 15 – prata, do metrô paulista, há três formas de se proceder: falar com um funcionário, que fará a denúncia na Delegacia De Polícia Do Metropolitano (Delpom); enviar um SMS-Denúncia pelo telefone (11) 97333-2252; bem como enviar informações, fotos e vídeos de ocorrências pelo aplicativo Metrô Conecta.

Já na linha 4 – amarela do metrô, da empresa ViaQuatro, a vítima ou testemunha pode falar com um funcionário ou apertar o botão que fica perto da porta dos trens, utilizado para chamar imediatamente um funcionário.

Nas linhas de trem da CPTM, a orientação é falar com o funcionário mais próximo ou enviar uma denúncia em SMS pelo número (11) 97150-4949.


4. existem vários tipos de violência doméstica

A violência doméstica se caracteriza por qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, quando praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Aqui, somente mulheres (trans ou cis) podem ser vítimas, já que em função do machismo estrutural, o Brasil enfrenta uma epidemia de violência contra as mulheres, o feminicídio.

Isso quer dizer que caso uma mulher cometa um ato contra a integridade de um homem, ele não pode se valer da Lei Maria da Penha para se socorrer. Nesses casos, o crime será julgado como um crime comum de lesão corporal, ofensa à honra ou outro semelhante. Já quando uma mulher sofre uma violação em função da relação de afeto que tem com o abusador, usamos a Lei Maria da Penha para caracterizar essa violência como uma violência doméstica.

Existe mais de um tipo de violência prevista pela Lei Maria da Penha:

  • Violência Física, que compreende desde as agressões que não deixam marcas até o crime de feminicídio;

  • Violência Moral, que é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria;

  • Violência Patrimonial, que corresponde a qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição total ou parcial dos objetos da vítima, de seus instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

  • Violência Sexual, que é compreendida como qualquer conduta que constranja a vítima a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, ou que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade. Também ocorre quando o agressor a impede de utilizar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição mediante chantagem, suborno ou manipulação. Por fim, também ocorre quando ele de qualquer forma tente anular ou impedir o exercício dos Direitos Sexuais e Reprodutivos da vítima.

5. apesar do tabu e restrições, em alguns casos aborto é legal

Atualmente, o aborto é permitido em três situações: quando a gestação é decorrente de estupro, quando implica em sério risco para a vida da gestante ou em casos de bebês anencéfalos. Caso alguns desses três casos se encaixe no seu quadro, busque atendimento imediato pelo SUS. Em casos de violência sexual, serão realizados procedimentos de profilaxia contra DSTs, além disso, é obrigatório receber amparo médico, psicológico e social. Se enquadrando nos requisitos para o chamado aborto legal, a vítima deve requerer ao Juízo um Alvará para a concessão do aborto.

Apesar de ser um Direito Humano de todas as mulheres, reconhecido pela ONU e Pela Anistia Internacional, o aborto ainda é um tema que traz consigo muitos tabus. Muitas mulheres que sofrem um aborto não intencional são privadas do seu acesso à saúde porque existe um estigma social que faz com que elas sejam vistas como “criminosas” ao chegarem ao hospital para receber ajuda. Além de sofrerem a perda de um bebê desejado, são, muitas vezes, abandonadas em hospitais para que morram em decorrência de hemorragias, no que hoje chamamos de “protocolo oculto”. Em 2016, o óbito de mulheres em idade fértil por causas não definidas ocupou a 5° posição em frequência. Dessas, 556 morreram sem assistência médica.

Enquanto o debate ainda gira em torno de sermos “contra” ou “a favor” do aborto, temos todos os anos cerca de 250 mil mulheres nos leitos do SUS por abortos inseguros. Aqui, na verdade, não devemos considerar quais são as razões para que uma mulher realize o aborto, mas sim quais as consequências sociais de termos a interrupção voluntária da gestação tida como um crime.


6. leis de apoio às mulheres trans

O Brasil é um dos países que mais mata pessoas transgênero no mundo. As violências sofridas por mulheres trans são diferentes das violências sofridas por mulheres cis. Enquanto as mulheres cis sofrem majoritariamente a violência perpetrada por seus companheiros, as trans sofrem por crimes de ódios, que vêm em sua maior parte de desconhecidos. Todavia, é possível a aplicação da Lei Maria da Penha para os casos de violência de mulheres trans e seus companheiros se essa violência ocorrer em um contexto de relações íntimas.

O direito à cirurgia de mudança de sexo a partir dos 18 anos já é realidade, assim como a hormonoterapia a partir dos 16 anos e o direito ao acompanhamento ginecológico livre de preconceitos. Ou seja, para as mulheres que não fizeram a cirurgia de mudança de sexo, deve ser garantidos os exames de próstata, e para os homens trans que possuem sistema reprodutivo feminino deve ser assegurado o direito de acesso aos métodos contraceptivos e exames de rotina, como o papanicolau. Além disso, devem ter respeitados seus direitos sexuais e reprodutivos caso queiram engravidar.

Apesar de hoje em dia já terem direito à ratificação do nome social nos documentos de identificação, ainda precisamos de Projetos de Lei que possibilitem que as mulheres trans possam ter o nome social nas certidões de óbito e nas lápides.


7 . violência obstétrica também é crime

No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre com a Violência Obstétrica, que é a a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres por profissionais da saúde que, por meio de tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização dos processos naturais, causa a parturiente perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos impactando na sexualidade e negativamente na qualidade de vida.

Quando uma mulher engravida, é importante que ela se informe sobre quais são seus Direitos e o primeiro passo para isso é a formulação de um plano de parto, que pode ser protocolado no hospital para garantir que ela tenha autonomia para decidir sobre o parto. A cesariana é uma cirurgia de alto risco e só deve ser indicada para os casos em que exista mesmo sua real necessidade. Porém, muitos obstetras ainda se valem de falsas justificativas para realizar essa cirurgia por motivos egoístas. Existem ainda certos mitos de que as mulheres não podem se movimentar livremente durante o parto e que não podem se alimentar. Privar uma mulher de água ou alimentos leves durante o parto é um tipo de violência obstétrica. Assim como mantê-la em posição ginecológica ou negar o uso de anestesia quando ela pede por isso.

Também é considerada violência obstétrica o corte que é feito entre o períneo e o ânus da mulher para facilitar a saída do feto, a episiotomia, em especial quando ela é feita como procedimento de rotina. Além disso, usar a ocitocina sintética para que a mulher implore por uma cesariana também é considerada uma prática violenta.

As mulheres têm direito à amamentar seus filhos na primeira hora de vida, sendo vital que esse momento, chamado de hora de ouro, seja respeitado. Inserir alimentos lácteos artificiais sem que haja real necessidade é uma grave violação dos direitos humanos da mãe o do recém-nascido.

Neste ano tivemos a aprovação do projeto de Lei que institui que mulheres que sofrem perda gestacional sejam atendidas em leitos hospitalares separados das mulheres que deram à luz a bebês com vida. Assim elas podem viver seu momento de luto com mais dignidade.


8. central de atendimento à mulher em situação de violência

Como mencionado pela doutora Veroneze, a Lei Maria da Penha já inclui diversos tipos de violência, mas a questão é: o que o governo tem feito para que as denúncias possam de fato serem realizadas? Deste questionamento surgiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, órgão federal criado em 2003, que criou o serviço da Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Por meio da ligação ao número 180, a central recebe diretamente denúncias de violência e reclamações sobre os serviços da rede de atendimento à mulher, tendo como principal papel a orientação para as mulheres sobre seus direitos e legislação vigente.


o que ainda não conquistamos?

Apesar dos direitos mencionados na matéria, é urgente que o país melhore a efetividade da segurança pública em relação às denúncias feitas por mulheres, as quais precisam ocupar cargos públicos e mudar diversos pontos em nossa legislação que ampliem a possibilidade de atingirmos a igualdade de gênero. Como mencionado ao longo da matéria, questões como aborto e a possibilidade de se utilizar o uso do nome social em todas situações são alguns dos pontos que ainda precisam de revisão em nossas leis. Mas, para finalizar a entrevista, a doutora Veroneze destaca mais um questionamento: a Lei de Alienação Parental.


Uma das maiores lutas nesse 8 de Março é pela Revogação dessa Lei, visto que é extremamente problemática e em síntese, utilizada para favorecer processualmente genitores que estão sendo acusados de cometerem crimes sexuais contra as crianças. A Lei precisa ser revogada com urgência porque os pais que são denunciados por abuso sexual acusam as genitoras de estarem inventando isso para que eles sejam prejudicados.

Sabemos, hoje em dia, que crianças dificilmente mentem sobre o que estão vivendo e é dever do Judiciário dar total proteção às crianças que denunciam atos de abuso, não de usar de uma Lei para prejudicar as mães que têm coragem de realizar essa denúncia.

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